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Moradas
Felipe Scovino

Texto da Exposição Mineral - Lurixs, Rio de Janeiro - 2012

 

Escrever sobre os legados do neoconcretismo na arte brasileira tem sido uma constante nos últimos anos. Temas como arte e vida, geometria sensível e organicidade viraram recursos infalíveis desse atravessamento temporal e estabeleceram um modelo para a passagem entre modernidade e contemporaneidade nas artes visuais brasileiras. Afora os ruídos dessas categorias, a obra de Elizabeth Jobim ressalta o melhor desse diálogo entre neoconcretismo (ou as linguagens construtivas brasileiras) e as produções artísticas posteriores. Enquanto no neoconcretismo, o vazio constituía-se como volume das obras e transmitia, entre outros estatutos, uma qualidade de corpo às formas, ou pelo menos uma disposição de diálogo mais efetivo e afetivo com o mundo – se pensarmos, por exemplo, nas obras de Amilcar de Castro, Lygia Clark, Sergio Camargo e Willys de Castro que por sua vez estabelecem um diálogo fecundo com Jobim -, na mais recente série de obras de Jobim, essa pesquisa ganha continuidade e desvios: o vazio torna-se dispositivo para a fabricação de lugares ao mesmo tempo em que há um duplo movimento nas suas obras. Das telas ao ganharem volume e buscarem incessantemente um lugar no mundo; há uma certa insatisfação em serem apenas representações bidimensionais. O que está diante de nós são quartos, ambientes, salas, portas e toda a sorte de espaços arquitetônicos. Em determinados momentos por meio de uma experimentação com distintas qualidades de tinta e cor, Jobim consegue chegar a uma superfície brilhante na qual o nosso corpo finalmente invade aquele espaço. Nesse processo de espelhamento, nos vemos habitando aquela casa. O tamanho antropomórfico das telas e o fato de estarem muito próximas ao chão dialogam com a ideia desses espaços convocarem uma presença, de quererem ser preenchidos.

 

O segundo movimento é o do corpo do espectador ao investigar os deslocamentos, torções e passagens que suas obras nos revelam ao tornar aparente o seu interesse pelo intervalo, pelo espaço entre os módulos, por uma fresta que não é tão somente o espaço que divide as telas mas uma linha que assume a fratura como índice para o corpo. É o vazio assumindo a sua condição de parte integrante da obra e por conseguinte inventor de lugares. Como partes constituindo um todo, temos a ilusão de que construímos incessantemente esses espaços porque eles nunca terão formas definitivas, apesar de rigorosamente acabados no interior da razão em que foram pensados.

 

Fora o fato da obra de Jobim ter estreita ligação com as linguagens construtivas e com a história da pintura, sua pesquisa iniciou-se a partir de desenhos tendo as pedras como modelo. É curioso e compreensível o fato da artista operar ao mesmo tempo um dado secular da história da arte (a natureza-morta) e transformar a experiência de ver e exercitar volumes de um elemento inorgânico em criação de linguagem e afeto, isto é, em como aquela forma pintada sobre a tela que venhamos a identificar como corpo tem sua origem no que há de mais concreto, bruto e ao mesmo tempo transitório, que é a própria natureza. A obra parece questionar até que ponto ela é abstrata. Jobim está interessada nas dualidades, nos estados contínuos de mudança e fundamentalmente em tornar visível esses movimentos/imagens quase imperceptíveis.

 

Se em séries anteriores, era a tinta que invadia as laterais da tela, marcando essa “quebra da moldura” ou o desejo da linha em perseguir o espaço além de uma bidimensionalidade assim como o mesmo movimento podia ser observado na fratura entre as telas, ou ainda no branco/vazio que era o pano de fundo para a aparição de um grafismo arquitetônico que, em vários momentos, absorvia um signo da cidade (o jogo de azulejos e o calçamento, por exemplo), agora sua nova série diminui os espaços vazados mas não o seu dado fenomenológico, ou seja, a sua capacidade de a partir de uma economia de elementos ou de um mero gesto desarticular as certezas sobre o visível e inventar jogos de percepção que nos faz mergulhar em uma imprecisão sobre os nossos sentidos. Da mesma forma que o espaço está sendo experimentado, igualmente acontece com a cor. Em um processo de seguidas camadas, o vermelho adquire uma cor de ferro, ou o azul que depois de um incessante processo de artesania transforma-se em um roxo. Os espaços construídos pelas telas não querem ser facilmente identificados pois transitam em um território que fica entre o real e o imaginário. Jobim sustenta a “natureza primária da arte”: permitir que a obra seja um eterno enigma.

Elizabeth Jobim

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